

Booktok, e-books e um novo olhar: será que a Geração Z realmente parou de ler ou só reinventou o mercado literário?
Comunidades digitais são a esperança para reacender o interesse de jovens pela literatura
“Os jovens de hoje não leem mais, só ficam no celular”. A frase se repete como um mantra em debates sobre os hábitos da Geração Z, sempre acompanhada de um tom de preocupação. O argumento não é à toa. Segundo a 6ª edição do levantamento Retratos da Leitura no Brasil, divulgado em 2024, o país perdeu 6,7 milhões de leitores em quatro anos e 53% dos jovens entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa.
Nas últimas décadas, a tecnologia tem forçado o mundo a enfrentar mudanças constantes. Para os leitores da era do imediatismo, tudo precisa ser mais curto. Livros de 300 páginas? Não atraem a todos, como mostra o Centro de Pesquisas de Educação, Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). Conforme os dados, 66,3% dos alunos brasileiros entre 15 e 16 anos não passaram de 10 páginas nas listas de leituras.
Somente 9,5% dos estudantes desta faixa etária leram materiais com mais de 100 páginas, em 2018. O índice é inferior quando comparado a outros países da América Latina, como Chile (64%), Argentina (25,4%) e Colômbia (25,8%). Já o melhor número do estudo é da Finlândia, que alcança o patamar dos 72,8%.
Até mesmo os posts em redes sociais devem ser curtos para esses novos jovens. Claro, o X, antigo Twitter, até limita a quantidade de caracteres para 280. Essa avalanche de conteúdos rápidos nas mídias parece ter roubado o espaço dos livros, mas, será que antes de decretar o fim do hábito da leitura dos jovens, não seria interessante parar para analisar os outros 47% que continuam encantados pela literatura?

Divulgação
Ao mesmo tempo que as redes sociais são acusadas de “sugar” o interesse pelos livros, a criação de comunidades, como o BookTok, no TikTok, movimentam milhares de pessoas para o mundo literário. Com mais de 2,5 milhões de publicações no #BookTokBrasil, os influenciadores — também chamados de booktokers — transformaram as resenhas de títulos recém-lançados, antes mais consumidas nos cadernos de jornais e revistas, em vídeos curtos e atrativos. O resultado foi o aumento das vendas, especialmente a de sugestões de romances e fantasia.
Tanto é a influência que, em dezembro de 2024, a plataforma abriu temporariamente a ‘Livraria dos mais assistidos no TikTok’. Cada visitante teve direito a retirar, no máximo, cinco livros gratuitamente. A ação foi feita para colaborar na reversão da queda no número de leitores no país, mencionada anteriormente. Com filas enormes nos sete dias, a livraria distribuiu 100 mil títulos que viralizaram no aplicativo.
“Essas comunidades são fundamentais. Talvez eu seja um pouco ousado em dizer isso, mas elas se tornaram um dos espaços mais democráticos para se debater literatura”, afirma Tiago Valente (@otiagovalente), romancista e booktoker com mais de 550 mil seguidores. Para ele, estamos vivendo um momento de crescimento exponencial na criação de conteúdo literário, o que tem sido essencial para engajar as pessoas de forma acessível e envolvente.
O influencer lembra que, no início desse movimento, o cenário era bem mais restrito, com apenas alguns influenciadores. “No começo, éramos apenas 10 criadores falando sobre livros. Hoje, o cenário é bem mais diverso, com até sub-nichos dentro do nicho de literatura. Acho que esse é o momento em que mais pessoas estão criando conteúdo literário, e esse caminho é essencial para formar novos leitores no Brasil”, destaca.
Tiago conta que a sua própria jornada para se tornar um leitor mais assíduo foi incentivada por pessoas que falavam com emoção sobre livros. Para ele, esse tipo de envolvimento é o que realmente faz a diferença.
“Acredito que quem não se interessa por literatura é porque nunca viu alguém falar sobre um livro com tanta paixão”, enfatiza.
Para Valente, ao contrário da visão tradicional de que a literatura é algo distante e elitizado, essas comunidades online têm o poder de transformar a maneira como as pessoas se conectam com os livros. “Esses espaços são essenciais para desconstruir a imagem da literatura como algo clássico, erudito e inacessível. É importante também trazer uma abordagem mais leve, acessível. Isso é o principal”, acredita.
Refúgio em meio ao caos da pandemia
Isolados e com a incerteza do que poderia acontecer durante a quarentena do Covid-19, em 2020, muitos jovens encontraram um lugar seguro na companhia da literatura. Esse é o caso da influenciadora Maria Eduarda Mota, ou como é conhecida nas redes sociais @eduardaresenha.
Por influência do pai, a jovem, de 22 anos, se apaixonou pela leitura, quando ainda era criança. A casa de Duda contava até mesmo com uma competição com o pai e a irmã para saber quem lia mais rápido. Entretanto, foi logo após ganhar o seu primeiro Kindle, em 2021, — também instigada pelos booktokers — que ela teve a ideia de compartilhar conteúdos literários no mundo digital.
“Hoje em dia, as comunidades são um dos maiores motivadores para a gente ter uma camada de fãs do meio literário tão grande. Na Bienal do Livro, em 2024, fui credenciada como influenciadora digital e encontrei muita gente que não só retomou o hábito de leitura, mas que começou a ler pelo BookTok. Eu, vendo de dentro, acho que esta é uma das coisas mais fantásticas que as redes sociais já fizeram. Já fui muito incentivada por elas e isso literalmente mudou minha vida”, afirma Duda.
Em 2022, um relatório do Instituto Pró-Livro apontou que 73% dos brasileiros entrevistados leram mais na pandemia, com diversidade maior de gêneros, o que contribuiu para a melhora na qualidade de vida. Entre o público de 10 e 29 anos, 60% citaram influenciadores digitais como indicadores de livros, que antes, em 2019, apareciam com percentuais bem menos relevantes.
Duda Mota soma quase 5 mil seguidores nas plataformas, além dos vídeos virais que chegam a quase 100 milhões de visualizações. Destes, o público que mais a acompanha são mulheres de 20 a 30 anos, da região sudeste, nordeste e sul do Brasil.
“A Geração Z não tem lido menos, pelo contrário. Quando todos estavam presos dentro de casa, as pessoas foram se dedicando muito às redes sociais e aumentaram os hábitos de leitura. Os influencers, na maioria, têm entre 20 e 30 anos, então é justamente quem a gente impacta nesse meio. Os jovens estão bem mais focados e com hábitos muito melhores do que gerações passadas”, reflete Mota.
Em contrapartida, a gestora de Letras e Pedagogia da Universidade de São Caetano do Sul, Marialda Almeida, lembra que a queda no número de leitores assusta e, infelizmente, é uma realidade. Para ela, a tecnologia pode ser uma ferramenta aliada para fomentar o interesse pela leitura, mas deve ser utilizada com os devidos cuidados para não prejudicar o foco.
“É muito legal chegar em uma livraria, escolher um livro pela sinopse e gostar, mas acho que nada como integrar as pessoas a partir das indicações , como os tiktokers fazem. Claro, sem considerar as publis, mas sim de pessoas que indicam de forma genuína. Isso certamente auxilia demais para desenvolver o hábito dos seguidores”, pondera Marialda.
Novos leitores, novas narrativas
Para quem cresceu nos anos 2000, certamente vai reviver a nostalgia de entrar na biblioteca da escola, sentir o cheiro do papel impresso e se deparar com livros que marcaram a geração. Fazendo Meu Filme, de Paula Pimenta, por exemplo, conquistou os corações de adolescentes com um estilo bem-humorado e histórias do cotidiano juvenil recheados de referências da cultura pop.
Embora a tecnologia tenha alterado a forma que as crianças da atualidade veem o mundo, a autora mineira continua referência no mercado literário brasileiro. Inclusive, entre os relatos que Paula recebe, sempre há um pai que pergunta como ela conseguiu fazer os filhos abdicarem do uso do celular para dedicarem horas do dia à leitura. Os tempos mudaram e, ainda que a juventude seja um período único da vida independente da geração, a forma de contar histórias teve que mudar.
“Apesar de eu sempre escrever baseado na minha época de adolescente, que não tinha nem e-mail, eu trouxe a minha vivência para personagens que vivem nos dias de hoje. Então, adaptei a realidade e levei os celulares e a internet para dentro dos livros. Os jovens correspondem desse jeito, conversam pelas redes sociais. Por isso, não fica chato e parece que estão lendo a história de um colega”, explica Pimenta.
Além de outros livros impressos que marcaram a geração Z, como as sagas Diário de um Banana, Harry Potter e Percy Jackson, um novo universo literário se expandiu na internet: o das fanfics. Esse gênero contempla histórias criadas por fãs a partir de obras já existentes. Pode ser um romance entre personagens que nunca se envolveram oficialmente, um final alternativo para aquela série que decepcionou geral ou até uma versão em que uma celebridade se apaixona por fãs anônimos em um show lotado. Não existem muitas regras: o importante é imaginar, escrever e compartilhar.
Em plataformas como Wattpad, Spirit e AO3, adolescentes não apenas leem, mas também escrevem, comentam e acompanham capítulos como quem espera um novo episódio de série favorita. O hábito de leitura continua ali, mesmo que fora dos formatos tradicionais. A linguagem é próxima, o enredo é envolvente e, muitas vezes, o autor tem a mesma idade do público que o acompanha. É uma nova forma de contar — e viver — histórias.
As fanfics, contudo, não se restringiram ao mundo virtual e algumas cresceram tanto que viraram livros publicados, best-sellers internacionais e até viraram filme. Um dos exemplos mais emblemáticos é a trilogia Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James, que começou como uma reimaginação de Crepúsculo, com a Bella e o Edward inseridos em um contexto adulto e erótico. Sucesso online, a obra publicada em livro, em 2011, vendeu 165 milhões de cópias mundialmente e ganhou espaço no cinema com produção estrelada por Dakota Johnson e Jamie Dornan.
O mesmo aconteceu com After, de Anna Todd, inspirado em Harry Styles, do One Direction. O livro ganhou milhões de leitores no Wattpad antes de ser transformado em uma série literária e adaptada para o cinema. A versão impressa vendeu mais de 11 milhões de cópias em todo o mundo e foi traduzida para mais de 30 idiomas. A adaptação cinematográfica de 2019 arrecadou mais de US$ 50 milhões globalmente, com um orçamento de US$ 14 milhões.
No Brasil, Cem Chances, de Ruth Oliveira, história inspirada em Jimin e Jungkook, do BTS, não só conquistou uma base fiel de leitores no Wattpad, como também se transformou em um sucesso editorial, ultrapassando as 10 mil cópias vendidas.
Longe de ser algo passageiro, esse tipo de leitura fez parte da formação de jovens como Luka Fernandes, 21, estudante de ciência e tecnologia da Universidade Federal do ABC, que encontrou nas fanfics um território de descoberta. O primeiro contato com o gênero foi ainda no ensino fundamental, por incentivo de uma amiga da escola. Quando começou a assistir Miraculous: As Aventuras de Ladybug, ele sentiu necessidade de ter mais conteúdos além dos episódios cânon.
“Foi um caminho sem volta, comecei a ler fanfics de tudo que eu gostava. Parece que chega um momento em que o conteúdo oficial não é o suficiente. Você precisa de mais, porque você se apega aos personagens e quer ver a perspectiva que os outros têm dele e vê-lo em outros universos”, afirma.
Além de ampliar as possibilidades das histórias que acompanhava, as fanfics também funcionaram como um refúgio para Luka. “Sempre vi a leitura como um lugar para eu relaxar e me acalmar”, conta. Por isso, evitava livros muito densos ou tramas pesadas — e acabou encontrando nas fanfics o equilíbrio entre envolvimento e leveza. “Foi ali que consegui achar um lugar seguro.”
Outro aspecto importante desse tipo de narrativa é a representatividade. Como homem LGBT+, Luka afirma que se enxerga com mais frequência nas fanfics do que na maioria da literatura tradicional. “Na fanfic, você pode ter um casal gay que está vivendo uma aventura incrível, matando um dragão, invadindo o castelo e outras coisas — e o fato deles serem LGBT+ é uma coisa secundária. É como se você estivesse em uma realidade paralela em que está tudo bem ser quem você é e o importante é viver, se aventurar e fazer maluquices”, diz, emocionado.
“O bom livro é aquele que se abre com interesse e se fecha com proveito” - Amos Alcott
Para muitos jovens brasileiros, o primeiro contato com livros não veio em forma de romance, mas de quadrinhos — e isso não os impediu de se apaixonar por histórias.
É difícil falar sobre esse início sem mencionar a Turma da Mônica, criação de Mauricio de Sousa. Com linguagem acessível, personagens cativantes e muito humor, os gibis da turminha se tornaram parte da infância de gerações. Mais do que entretenimento, foram — e ainda são — um empurrão fundamental para a formação de leitores.
Mesmo assim, por muito tempo, quadrinhos foram vistos com desconfiança por parte de professores, pais e até instituições de ensino. Não faltaram debates se esse tipo de leitura “valia” tanto quanto os clássicos literários. A resposta, porém, parece vir dos próprios leitores: o que importa não é o formato, mas o envolvimento que a história desperta.
Em carta à Academia Brasileira de Letras, quando concorreu à cadeira nº 8 em 2023, Mauricio de Sousa contou como os quadrinhos mudaram sua vida e a de milhões de crianças brasileiras. “Depois dos gibis fui para os livros de Lobato e, na juventude, já era rato de biblioteca”, escreveu. “Hoje, aos 87 anos e sendo autor de criação de uma turminha viva, vejo o mesmo acontecer em milhões de crianças pelo Brasil sendo estimuladas à leitura pelos quadrinhos e a se alfabetizarem até antes da escola”.
O criador da Turma da Mônica defende que a missão dos autores é formar leitores — e que os quadrinhos, com seus personagens acessíveis e representativos, cumprem esse papel desde cedo. “Os quadrinhos são literatura pura dos tempos modernos”, afirmou. “Onde o desenho se incorporou para conquistar mais e mais leitores. São milhões deles”.
Zoraia Failla, coordenadora da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil do Instituto Pró-Livro, concorda que as HQs podem ser uma ferramenta poderosa para aproximar crianças e adolescentes do universo literário. "Eu penso que dentro de um espaço de mediação, todo tipo de leitura é importante, especialmente para a gente tirar aquela imagem que se cria em relação a um livro que é oferecido em uma sala de aula e que se transforma em obrigação, em tarefa", afirmou em entrevista à Agência Brasil, em 2013.
Ela aponta que trabalhar com quadrinhos em sala de aula ajuda a desmistificar a seriedade dos livros e torna a experiência de leitura mais atrativa. "Eu acho que pode ser um meio, nunca um fim. Porque o quadrinho pode até trabalhar algum conteúdo, mas o faz de forma superficial. Como incentivo à leitura, ele pode ser um mobilizador", disse.
“O livro se tornou um luxo para mim” - Ana Dutra, 22 anos
Para o senso comum pode parecer desinteresse, mas, o que afasta os jovens da leitura é o acesso. Com tantas ferramentas da nova geração, como o booktok, fanfics e e-books, o gosto pelos livros continua presente — o que falta, na maioria das vezes, é a possibilidade real de tê-los em mãos. O preço elevado, a falta de livrarias em muitas cidades e a ausência de políticas públicas consistentes transformam a leitura em um privilégio, e não em um direito garantido.
De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o valor dos livros é o principal fator que influencia a decisão de compra. O estudo Panorama do Consumo de Livros, contudo, mostra que o preço médio de um exemplar físico chega a R$ 45. E isso pesa, principalmente para quem continua na escola ou na universidade.
Gabriela Romão, 29, lembra que, na infância, era comum encontrar livros — inclusive best sellers — com preços acessíveis em bancas ou livrarias de bairro. “Sempre adquiri pela internet, pois sempre foram mais baratos. Mas mesmo por esse meio tem sido mais caro”, expõe. A mudança no bolso também alterou hábitos: muitos leitores migraram para plataformas digitais, clubes de assinatura e bibliotecas virtuais.
É o caso de Ana Dutra, 22, que passou a consumir livros pelo Kindle, embora a paixão seja folhear e sentir o papel. Assim, o digital virou não apenas uma solução mais barata, mas uma forma de manter o hábito mesmo diante dos aumentos sucessivos nos preços. “Eu via que estava ficando cada vez mais caro e me vi sem alternativas. O livro físico se tornou um luxo para mim”.
Já para o lado do mercado editorial, Bruno Zolotar, diretor de marketing e vendas da Editora Rocco, avalia que o custo elevado está diretamente ligado ao encarecimento da cadeia de produção. “O preço do livro subiu no Brasil nos últimos anos, principalmente pelo papel. São pouquíssimas empresas para imprimir e precisamos lembrar que a celulose é globalizada e sofreu com a alta no valor do dólar”, explica. Além disso, ele lembra que, antes da pandemia, cerca de 70% das vendas vinham das livrarias. Hoje, esse número gira em torno de 35%, com o restante dividido entre marketplaces e canais digitais.
Apesar das dificuldades, o mercado editorial brasileiro apresenta sinais de recuperação. Segundo dados do Painel do Varejo de Livros no Brasil, divulgados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Nielsen Book, o setor registrou crescimento de 6,19% em volume e 6,03% em faturamento no acumulado de 2025 até fevereiro, em comparação com o mesmo período de 2024. Foram vendidos 9,21 milhões de livros — receita de R$ 531,38 milhões.
Diante da desigualdade social que marca o Brasil e do valor médio de exemplares que ultrapassam o valor de uma refeição básica, não é difícil entender por que tantos jovens abandonam — ou nunca chegam a começar — o hábito da leitura.
O gosto pelos livros não desapareceu com a Geração Z. Ele apenas se transformou, buscando caminhos mais acessíveis, mais diversos e mais compatíveis com a realidade de quem lê — ou quer ler — no país. Em vez de repetir que os jovens não leem mais, talvez seja hora de perguntar: o que estamos fazendo para garantir que eles possam ler?
Porque, apesar de tudo, ainda há páginas virando.


Reportagem: Bianca Fávero e Júlia Zamberlan
Produção e captação audiovisual: Andrews Oliveira e Jaqueline Corrêa
Arte: Larissa Freschi e Ana Laura Marquesin