Pedro Bandeira: ler, sonhar e acreditar em si
- Capítulo Z
 - 18 de out.
 - 6 min de leitura
 
Autor de clássicos como 'A Droga da Obediência' e 'A Marca de uma Lágrima' fala ao Capítulo Z sobre a força da imaginação, o papel da leitura e seu compromisso em formar leitores

Com mais de 40 anos dedicados à literatura infantojuvenil, Pedro Bandeira construiu um legado que vai muito além das páginas. Suas histórias despertaram o amor pelos livros em milhares de crianças e adolescentes, de forma a a moldar o imaginário de leitores de todo o país. Em entrevista exclusiva ao Capítulo Z, Bandeira revisita sua jornada — da solidão da infância ao prazer de escrever — e reflete sobre o papel da literatura como ferramenta de transformação, autoestima e liberdade.
Confira a entrevista na íntegra
Capítulo Z: Como e quando nasceu sua paixão pela escrita? Você já imaginava que se tornaria autor ou isso aconteceu de forma inesperada?
Pedro: Não, nunca pensei nisso. Criava poesias para as meninas que me atraíam, mas nunca tinha coragem de entregar. E escrevia contos policiais pra mim mesmo. E para meus colegas lerem.
Capítulo Z: Você se lembra do primeiro texto ou história que escreveu? O que a motivou a começar?
Pedro: Acho que o primeiro texto sério que escrevi é o conto “Os cachos da situação”, hoje publicado numa antologia de contos pela Editora Ática. Eu deveria ter uns 20 anos.
Capítulo Z: Quando você começou a se entender como alguém “criativo”?
Pedro: Não pensava dessa maneira, mas sempre trabalhei com arte. Fiz teatro amador e profissional como ator e diretor, fui editor de livros e revistas, fui publicitário, gravei dezenas de comerciais de televisão como ator no tempo da TV em preto e branco, pintei quadros, modelei bonecos para teatro de fantoches, criei cenários para teatro e as únicas artes que nem experimentei foram a música e a dança.
Capítulo Z: Durante sua infância e adolescência, quais livros e autores foram importantes para sua formação?
Pedro: Monteiro Lobato, Mark Twain, Robert Louis Stevenson, Maurice Leblanc, tudo de literatura juvenil estrangeira da época e, mais velho, Machado de Assis e William Shakespeare.
Capítulo Z: Como foi o processo de publicação do seu primeiro livro? Você enfrentou desafios para lançá-lo?
Pedro: Eu era do mundo dos livros, dos jornais e das revistas, inclusive como autor de histórias infantis para revistas de banca. Por isso, foi fácil ser aceito como autor de livros infantojuvenis.
Capítulo Z: Em que momento percebeu que sua escrita poderia se tornar sua profissão?
Pedro: Sempre foi minha profissão. Fiz muitas coisas na vida, mas desde os 19 anos fui jornalista e redator. Todo o sustento da minha família vem da minha escrita há mais de 60 anos, em editoras e agências de publicidade. Mas, quando veio o sucesso de A Droga da Obediência, larguei o cargo de diretor de marketing da Editora Abril em 1982, e desde então vivo só de literatura.
Capítulo Z: Como foi para você lidar com o crescimento da sua popularidade e o carinho dos leitores?
Pedro: Foi e é tudo de melhor que tive e tenho na vida. Amo meus leitores, de verdade. Muitos se tornaram meus amigos ao longo do tempo.
Capítulo Z: Você sente que há um tema recorrente ou uma mensagem essencial em seus livros?
Pedro: Acho que sim: a defesa da democracia, da liberdade e minha obsessão por ajudar meus netinhos leitores a conquistar a autoestima, a acreditarem em si mesmos, a gostarem de si mesmos, a acreditarem em sua força, em seu talento e em seu poder.
Capítulo Z: Se pudesse dar um conselho para jovens escritores que sonham em seguir carreira, qual seria?
Pedro: Pertençam ao livro, leiam mais do que 99% da humanidade. Escrevam tudo o que pensam, o que sentem, para treinar. Sejam severos e bem críticos acerca de si mesmos. Procurem fazer o melhor de si, não o melhor do mundo.
Capítulo Z: Como foi o seu primeiro contato com a literatura?
Pedro: Bom, eu fui um garoto muito sozinho, porque eu não tinha irmãos da minha idade e não tinha vizinho e tal, e me criei muito sozinho, brincava sozinho, então isso fez com que eu lesse. Só que no meu tempo tinha muito gibi, hoje em dia as pessoas não leem muito gibi, tem pouco gibi. No meu tempo tinha gibi de tudo, de detetive, de cowboy, de tudo e isso nos ajudava muito a aprender a ler, a treinar a leitura, além do que, no meu tempo não tinha televisão e a grande diversão era o cinema, então ou você ia no cinema (e não tinha filme nacional, só tinha filme estrangeiro) e aprendia a ler a depressa a legenda e compreender depressa ou você não podia ir ao cinema. Então a gente treinava o tempo todo e conhecendo a leitura. Então isso era a minha diversão, não era para estudar, era para eu me divertir. Então de um gibi, você vai para um livrinho de aventura, um Tarzan, etc e vai subindo e subindo e de repente você está lendo um livro de pirata, de Robert Louis Stevenson, e de repente você está lendo um livro adulto e nem notou. Mas é no caminho da diversão, ler para a criança tem que ser diversão, não pode ser imposição.
Capítulo Z: E quando o senhor percebeu que queria ser um escritor?
Pedro: Bem, como eu lia bem, eu muito cedo consegui um emprego em um jornal, então de cara eu fui vivendo o que eu tinha lido bastante e era capaz de escrever. A minha vida foi transcorrendo como jornalista, redator de revistas, redator de publicidade, sempre Língua Portuguesa. Eu fazia historinhas, mas eram encomendadas. A Editora Abril, que existia na época, encomendava histórinha de crianças e tal, eu tinha uma certa comunicação, até que eu já bem maduro, pensei: ué, eu escrevi tantas historinhas curtas em revistas que são efêmeras e enormes, eu vou fazer um livrinho. Aí eu fiz um livrinho e eu gostei muito e, melhor ainda, os leitores gostaram! Então daí, eu falei: é isso o que vou ser. Desde então, já há mais de 40 anos, eu vivo só de escrever, e só de escrever para crianças e adolescentes. Para adultos eu tenho um livro que vai sair, é uma brincadeira, mas precisa entender muita coisa, mas a minha praia é escrever para eles [crianças e adolescentes].
Capítulo Z: E como é para o senhor perceber que os seus livros funcionam como uma porta de entrada para crianças e jovens engajarem na literatura?
Pedro: É a minha intenção. A minha intenção é fornecer coisa gostosa para a criança gostar daquilo e daí pra frente, eu nunca sei, mas eu recebi desde muito tempo, desde os tempos das cartas, hoje ninguém mais faz cartas, só WhatsApp, mas eu recebia cartas que diziam: “Pedro, eu não gostava de ler. A partir da leitura deste livro seu, eu agora gosto de ler”. Eu tenho um exemplo lindo para dar de casa: mais ou menos em 1984, uma menina, que hoje é uma senhora e minha amiga me escreveu dizendo isso: Ah, Pedro, eu não gostava de ler e agora eu gosto de ler. E continuamos a trocar correspondências, resultado: quatro anos depois, ela me escrevia discutindo que ela estava lendo Odisseia, de Homero e Canaã, de Graça Aranha, então em quatro anos, em que não gostava de ler, ela chegou ao alto, onde ela merecia. Isso me dá muito orgulho, é para isso que eu trabalho, é isso o que eu quero. O país tem que ser um país letrado. Nós somos grandes, maravilhosos, mas temos um povo muito pouco letrado. Metade da população brasileira adulta é analfabeta funcional, então não dá para ser um grande país com metade da população analfabeta pura. Nós temos pessoas formadas até em universidades e tinha até analfabeto funcional.
Capítulo Z: Qual é a sua visão sobre os eventos literários na percepção de um leitor, no contato de um escritor com o leitores e a sociedade?
Pedro: Além de fazermos os livros, devemos trabalhar por eles. Nós viajamos, agora eu já estou meio velho, só faço live, mas antes eu viajava qualquer canto do Brasil para falar com alunos, para visitar escolas, extremamente cansativo, o Brasil é grande demais. Uma vez eu estava em Boa Vista, no Roraima e vim pulando de avião a avião até Ijuí, no Rio Grande do Sul e era exaustivo, não tinha outro jeito para fazer. Mas com live, você é ativo onde quiser e sem cansaço. A internet foi maravilhosa pra mim, eu não aguento mais correr pelo mundo inteiro [risos].









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